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1.12.2009

Até que ponto é possível ser humilde na selva corporativa

Por: Maurício Oliveira, para o Valor, de São Paulo - 09/01/2009

Modéstia: ausência de vaidade, moderação ao falar de si. Humildade: atributo que nos dá a dimensão da nossa fraqueza. Aprendemos quando crianças que essas são virtudes que devemos perseguir vida afora, mas até que ponto isso é possível- e recomendável - no supercompetitivo mundo corporativo de hoje, em que os "bonzinhos" parecem ser freqüentemente passados para trás e aqueles que não divulgam seus feitos correm o risco de perder espaço para quem exagera no marketing pessoal? "Não há nada de errado em demonstrar o quanto seu trabalho pode ser útil para a empresa, desde que sejam respeitados os limites da ética, da verdade e da consideração aos outros", adverte o headhunter Simon Franco, profissional dedicado ao ofício de "caçar" executivos. Esses limites, ressalta Franco, são subjetivos e dependem da relação que o profissional tem com o ambiente de trabalho e, sobretudo, dos parâmetros de quem julgará suas atitudes. Assim, um mesmo tipo de comportamento pode ser considerado aceitável em determinada circunstância e arrogante em outra.

Certas atitudes dificilmente deixam de ser interpretadas como falta de modéstia, contudo- comportamento de risco para quem pretende construir uma reputação profissional sólida. Exemplo recorrente em currículos e entrevistas de emprego é atribuir a si méritos que, na realidade, são coletivos. Muitas vezes o problema está apenas na forma de construir o texto ou o discurso. Há uma enorme diferença entre dizer "fiz a produtividade do setor dobrar quando fui gerente" e "a produtividade do setor dobrou no período em que fui gerente". Outros indícios clássicos de auto-suficiência são a dificuldade para descrever as próprias vulnerabilidades (pergunta freqüente em entrevistas de emprego) e o hábito de transferir aos outros a responsabilidade por eventuais momentos de fracasso. "É raro encontrar quem tenha maturidade para reconhecer erros ao falar sobre uma demissão, por exemplo. Quase sempre a culpa é da empresa, do chefe, dos colegas", descreve Simon Franco.

Profissionais com mais tempo de estrada identificam a falta de modéstia como uma praga em franca disseminação nas grandes empresas. Os "hospedeiros" típicos são os trainees, jovens com excelente formação acadêmica que superaram uma tremenda concorrência pela vaga que ocupam. Reclamação recorrente dos funcionários antigos é que os trainees pensam que já sabem muito, são "carreiristas" (pretendem crescer rapidamente) e não se preocupam em cultivar bons relacionamentos com os colegas. "Quem chega cedo demais a cargos importantes está fadado a cometer erros típicos da imaturidade", concorda o executivo Jacques Wladimirski. Aos 47 anos, ele se baseia no próprio exemplo. No terceiro ano da universidade, começou a estagiar na Philips e 16 anos depois chegou à gerência-geral da empresa. Passou ainda pela vice-presidência da Black & Decker, da Intelig e pela presidência da DirecTV e da Líder Táxi Aéreo, tudo isso antes dos 40. "No começo eu era um tanto afoito e até mesmo prepotente. Certamente falhei na tarefa de construir relacionamentos", descreve.

Wladimirski considera ser bem mais difícil não se deslumbrar com a sensação de poder e com as eventuais mordomias e benefícios de um cargo executivo quando se é jovem. "Como você é o tempo todo bajulado, corre o risco de ficar com o ego inflado e perder a noção de que você é um ser humano cheio de vulnerabilidades e com muitas coisas a aprender das outras pessoas", diz. Um momento marcante na trajetória de amadurecimento que ele percorreu foi ter reencontrado, entre os comandados da nova empresa que estava assumindo, seu ex-motorista em um dos empregos anteriores. "Como já havíamos trabalhado juntos, o chamei para ser meu motorista novamente. Depois de algumas semanas, ele me pediu permissão para dizer algo: que eu havia mudado para melhor, porque quatro anos antes era um tremendo metido. Aquilo mexeu um bocado comigo", recorda. Hoje, Wladimirski comanda 64 funcionários em um negócio próprio, pensado justamente para promover o bom relacionamento entre executivos: a academia Golf & Gym, mescla de escola de golfe e clube social. "Infelizmente o lado humano está se perdendo nas empresas. Quatro horas em um campo de golfe permitem um nível de aproximação que muitas vezes não se consegue em um ano inteiro trabalhando no mesmo escritório", compara.

Entre os motivos que levam muitos jovens profissionais a exagerar na autopromoção - e freqüentemente esbarrar na arrogância - está o receio de não ser "percebido" pelos superiores dentro da empresa. "Esse receio não se justifica, levando-se em conta todos os mecanismos de avaliação de desempenho desenvolvidos pelas corporações justamente para identificar, valorizar e reter seus talentos", diz a pedagoga Leyla Nascimento, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio de Janeiro (ABRH-RJ) e diretora do Instituto Capacitare. Ela ressalta, contudo, que modéstia e humildade não devem ser confundidas com timidez e acomodação. "Um profissional precisa ser assertivo para expor com clareza seus pontos de vista e demonstrar constante interesse pelo que acontece ao redor. Assim ele acaba sendo naturalmente respeitado e valorizado. Deixar de se expor em nome da modéstia e da humildade é uma atitude prejudicial tanto para o profissional quanto para a empresa", avalia.

Para o presidente da Masa da Amazônia, Ulisses Tapajós Neto, 60 anos, reconhecido como um líder capaz de obter excelentes resultados sendo afável e dividindo os méritos com a equipe, a falta de modéstia encontrada em muitos jovens profissionais é apenas o reflexo do que se vê na sociedade como um todo. "A educação doméstica já não é tão esmerada quanto antes. Mães e pais tinham tempo de conversar, de ensinar. Hoje a educação é muitas vezes terceirizada e princípios fundamentais não são suficientemente reforçados", pondera. Para ele, trata-se de um fenômeno sem relação direta com a classe social. "Meu pai era garçom de um 'night club' e minha mãe uma modesta funcionária pública em Manaus, mas eles sempre me ensinaram que ser humilde e solidário é o melhor caminho para ser respeitado e bem tratado pelos outros", descreve. "Se essas lições não vêm do berço, é só uma questão de tempo para que a vida se encarregue de ensiná-las", conclui.

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