..:: Por: Letícia Arcoverde | Valor Online
Um projeto capitaneado por ex-executivos da cidade de Campinas, em São Paulo, quer promover um encontro entre o mundo das corporações e o das startups. A ideia é transformar os profissionais com experiência acumulada nas grandes companhias em mentores de pequenas empresas em fase inicial.
Lançado no fim do ano passado, o grupo reúne executivos que já se aposentaram da carreira corporativa ou que possuem ritmo de trabalho menos acelerado e que querem contribuir com o desenvolvimento de novos projetos. Toda a experiência em grandes empresas, no entanto, não significa necessariamente que eles estão preparados para se aventurar em negócios novos. "As startups são um mundo diferente. Há um desafio, inclusive, de vocabulário", explica Rosana Jamal, responsável pela organização da rede.
Para facilitar a comunicação entre os dois mundos, o grupo oferece treinamentos sobre conceitos e métodos de empreendedorismo, onde os executivos discutem e analisam casos de sucesso e conversam com empreendedores. Cerca de 100 executivos de diversas cidades já participaram dessas aulas de "atualização", e 30 deles fizeram outro curso, que aprofunda técnicas de mentoring. "O objetivo do treinamento é mudar a perspectiva de profissionais que já têm a bagagem corporativa", diz Rosana.
Ainda em desenvolvimento, o grupo em si tem uma dinâmica de startup. A própria Rosana considera que foi ao mesmo tempo aluna e organizadora do primeiro treinamento que a rede ofereceu, no primeiro trimestre de 2013. As aulas são dadas por um empreendedor experiente e um consultor de startups. Outros cursos estão previstos até o fim do ano.
Rosana fez carreira em inovação, área na qual ela vê algumas similaridades com o empreendedorismo. "Acabamos vivendo a mesma agonia do empreendedor, mas a diferença é que a empresa está sempre por trás. Nas startups os processos são muito mais rápidos. Existe uma ligação, mas são mundos que nunca se falaram", diz. Rosana acumula mais de 30 anos de carreira no setor de pesquisas em telecomunicações, entre eles 14 anos na fabricante de celulares Motorola, onde foi diretora do departamento de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Ela deixou a empresa no ano passado, quando a companhia foi adquirida pelo Google e passou por uma reestruturação.
Hoje, Rosana coordena o grupo de executivos e atua como consultora de estratégia de P&D, além de já ter sido mentora de duas startups por meio do projeto. "Na empresa, o foco é olhar para dentro. Como mentor, você precisa olhar para um mundo novo, e acaba encontrando áreas que nunca teve oportunidade de conhecer antes", diz.
Conhecida como polo de empresas tecnológicas, Campinas tem, segundo dados do IBGE de 2010, o 11º maior Produto Interno Bruto (PIB) do país. Junto com Sorocaba, a região é responsável por um terço da produção industrial do Estado de São Paulo. Assim, é natural o interesse de executivos da cidade pelo ecossistema de empreendedorismo e inovação, alimentado pela presença de grandes centros de pesquisa e universidades reconhecidas.
Criada em 2010, a Associação Startups Campinas, por exemplo, ajuda hoje na aceleração de 40 empresas de diversos segmentos como TI, educação e agronegócios. Essas startups já receberam, juntas, mais de R$ 6 milhões em investimentos.
Os mentores formados atuam junto a startups em diversas aceleradoras, encontradas por meio da rede de contatos dos próprios executivos ou em universidades da cidade, após o "casamento" feito pelo grupo, como descreve Rosana. "Depende do perfil do mentor e da startup", diz. Uma das aceleradoras que receberá esse apoio será desenvolvida em um projeto da Prefeitura Municipal de Campinas e do Núcleo Softex, uma organização que atua no fomento ao empreendedorismo de tecnologia e no desenvolvimento da indústria de software no Brasil. Com início previsto para o segundo semestre, a parceria pretende ter dez startups de tecnologia em processo de incubação até o fim do ano.
A motivação dos profissionais experientes é variada. Para Edvar Pera Junior, coordenador do grupo Softex Campinas, o contato com jovens empreendedores é uma espécie de reciclagem de carreira. "Eles gostam de estar antenados no assunto", diz. Além disso, Rosana afirma que muitos sentem vontade de contribuir mesmo depois de afastados da carreira executiva. Mesmo assim, o trabalho pode começar voluntário e render frutos depois - muitos mentores acabam com participação acionária na startup, e alguns acabaram até indo trabalhar na pequena empresa.
É o caso de Elaine Martins, que também deixou a Motorola em agosto do ano passado, onde era gerente de integração de produtos. Depois de sair da empresa, começou a pesquisar o que estava acontecendo no mundo das startups e incubadoras de Campinas. Após fazer o treinamento do grupo, Elaine começou a atuar como mentora de uma startup de desenvolvimento de softwares de gestão de operações e hoje trabalha em tempo integral na empresa, que em um ano dobrou a equipe e conta com 12 pessoas. Ela é responsável pela área de desenvolvimento de software e estuda entrar como sócia.
Sair de uma multinacional em que todos os processos e a cultura já estão definidos para uma empresa em desenvolvimento foi, para Elaine, um "choque de mundos". "Na startup, você tem que fazer ao mesmo tempo em que pensa em como fazer", explica. O treinamento oferecido pelo grupo de executivos foi, para ela, bastante útil para aproximar as duas visões diferentes de negócios. "Em uma empresa iniciante, é preciso sempre ouvir, mapear e ajudar a construir. A experiência corporativa ajuda a perceber e a formatar isso", diz.
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