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8.31.2013

Copa do Mundo padrão Brasil

..:: Por Robinson Borges e Rosângela Bittar | Valor Online

A luz do sol de inverno de Brasília ilumina a placa sobre uma discreta parede em tons pastel. Letras cursivas contornam a primeira palavra: Lake's. Em seguida, alinhadas fontes maiúsculas formam o complemento: Restaurante. Tão prosaica nas fachadas brasileiras, essa união bilíngue normalmente sinalizaria apenas que estamos na frente de um dos principais endereços gastronômicos da capital, mas nesta tarde remetem também a uma inescapável ironia. É o lugar escolhido pelo comunista Aldo Rebelo, um notório nacionalista, para este "À Mesa com o Valor".

Crítico agudo do "dialeto de Miami", esse sertanejo de Alagoas se tornou conhecido por seus controversos projetos em defesa da soberania cultural. Só para lembrar, ele já sugeriu a criação de um Dia Nacional do Saci-Pererê, para substituir a importação cultural do Halloween, e propôs uma lei que limitava o uso de estrangeirismos no Brasil. Nesta tarde, no entanto, o ministro do Esporte decidiu suspender as alfândegas e entregar-se aos prazeres da carne - no Lake's.

O nome do restaurante pode ser fruto de uma "imposição da cultura dominante sobre a cultura dominada", mas também teve como inspiração algo bem brasileiro, uma belíssima vista do Lago Sul de Brasília, onde uma primeira unidade da churrascaria da família surgiu três décadas atrás. Hoje, na Asa Sul, a casa é um daqueles lugares naturalmente acolhedores, com mobiliário contemporâneo e cozinha internacional que não despreza as delicadezas do sabor local. Seu padrão é Fifa.

Os raios solares que se expressam timidamente pela janela do hall - desculpe, ministro, antessala é melhor - deixam o ambiente mais agradável. Aldo já está descontraidamente acomodado em um poltrona de couro quando os repórteres entram. Ele experimenta uma cachaça Mercedes, produto 100% brasileiro, e faz sua primeira defesa da identidade nacional. "Não sou contra estrangeirismos", diz, ao saborear pequenas porções de amendoim. "O idioma se enriquece com o aporte de novas expressões. O que você não pode conceber é a substituição do seu idioma por um estrangeiro, achando que isso tem algum sentido de modernidade e de sofisticação."

No ginásio, em sua Viçosa natal, o jovem José Aldo Rebelo Figueiredo foi aluno do padre Jatobá, um latinista afetuosamente ligado ao idioma. Ao frequentar suas aulas, aprendeu que o português foi um fator importante da construção da unidade do país, tema que se tornaria central em seu itinerário político e intelectual. "O Brasil não vai resolver bem a questão democrática, não vai resolver bem a questão social, se não tiver a questão nacional como eixo orientador das grandes decisões", fala com a empolgação típica dos bons oradores.

Alinhado em um terno azul-marinho combinando com uma camisa branca de listras igualmente azuis, Aldo está com o semblante tranquilo, sem muitas evidências de seus 57 anos. Depois da tumultuada Copa das Confederações, o ministro fez um retiro de alguns dias em Viçosa. No interior, mantém um sítio com plantação de mandioca, feijão e capim e alguns cavalos. É lá, próximo de Maria Cila, sua mãe, e das irmãs, que costuma pegar manga no pé e nadar no rio. Os cavalos são uma paixão especial: a cavalgada é o esporte nacional mais antigo, antecede o futebol, costuma dizer. Seu primeiro contato ocorreu aos 3 anos, quando o vaqueiro José Figueiredo Lima, seu pai, o pôs em uma sela. Virou seu esporte. Em sua terra, garante, não é o ministro. É um local.

Na tela do celular, exibe instantâneos do ócio. Em uma das fotos está orgulhosamente acompanhado de dois garotos que moram em uma comunidade de 30 pessoas e vestem camisa do Palmeiras. "Eu fotografo palmeirenses", diz.

Quando está em Brasília, muitas das partidas de seu Palestra do coração são vistas ali mesmo, quase sempre na companhia da oposição. "Tenho amigos que são gremistas, outros que são Colorado, Fluminense", conta. "Trago os amigos para ver os jogos do Palmeiras e venho com amigos para ver os jogos deles." Esporte, afinal, é confraternização. Incluindo a língua: não se espante se ouvi-lo, no Lake's, gritar pênalti em vez de penalidade máxima.

No comando dos dois eventos esportivos mais importantes da história do país, Aldo vê o esporte como de interesse público nacional. Mais do que um ardoroso palmeirense, revela-se um torcedor do futebol. Quando jovem, chegou a jogar como lateral-direito, tentou ser centroavante e zagueiro. Acabou no gol, mas a carreira não deslanchou. Mais tarde, usou sua paixão para escrever um livro: "Palmeiras x Corinthians 1945 - O Jogo Vermelho".

Apesar de ter sido criado na Inglaterra há um século e meio, o futebol foi incorporado e praticamente reinventado por aqui - a palavra também foi adaptada do inglês na pronúncia e na escrita. "No Brasil, tornou-se esporte nacional. Muita gente achava que não ia dar certo, o próprio Graciliano Ramos pensava isso", observa. "Em uma sociedade tão desigual como a que tínhamos no século passado, foi um esporte que abriu a janela para os jovens pobres e negros. Qual foi a primeira celebridade negra e pobre do país? Foi o Friedenreich [craque do futebol amador]. O povo abraçou o futebol como uma causa", diz, enquanto pastéis de queijo e carne são acomodados à mesa.

Mas o contagiante entusiasmo brasileiro pelo futebol parece ter ido para o escanteio durante a Copa das Confederações. No lugar da tradicional torcida-delirando-vendo-a-rede-balançar, a pátria em chuteiras foi ocupada por manifestantes que reclamavam contra o custo e o legado dos megaeventos. Algumas pistas do desconforto da opinião pública já estavam dadas, meses antes, com a repetição exaustiva do bordão "se agora já está assim, imagina na Copa".

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