Uma hora você terá de dizer não
Aristides Faria
“Vai chegar um dia em que terão de dizer não. Vocês resgatarão de cinco a vinte pessoas, todas gritando “me salve, me salve”! Elas esperam um milagre e, aos 24 anos, você tem que se tornar esse milagre. Tem que achar um jeito de ser esse milagre”.
Esse trecho foi pinçado do filme Anjos da Vida, história que aborda a formação de mergulhadores de salvamento da United States Coast Guard (Guarda Costeira Norte-americana). O pedacinho citado, entre outros grandes ensinamentos, é a fala do treinador para sua equipe em treinamento.
O dilema à essa altura do enredo era saber quais critérios se usaria para “escolher” quais pessoas salvar e quais, infelizmente, deixar para trás. Outro ponto de debate nesse momento era a necessidade de apresentar extrema paixão e coesão quanto a responsabilidade enquanto salvador e a de ter frieza para saber a hora de dizer não, recuar, voltar para a base.
Na vida corporativa acontece o mesmo. Talvez com menos sensacionalismo do que no cinema, mas tomada de decisão, paixão e frieza fazem parte de nossa rotina profissional. Demorei a compreender a diferença entre entusiasmo e empolgação. Após alguma reflexão consegui verificar que, de fato, são comportamentos distintos.
O primeiro deles é como a água volumosa de um rio descendo entre os costões rochosos de uma extensa encosta. Já o segundo eu compararia com as ondas de uma praia calma, que vêm, cobrem um pedaço de areia, avançam e tão logo recuam. Suas palavras-chave são, respectivamente, intensidade e instabilidade.
Para o entusiasmado o ritmo é constante e intenso. Já para o empolgado os picos são altos, assim como as depressões. É importante lembrar, entretanto, que os dois complementam-se. São comportamentos igualmente importantes ao completo andamento de toda sorte de projetos.
Gosto muito do exemplo dos idiomas. Isto é, imagine um hotel cuja recepção trabalha em três turnos interruptos, formada por um time de 12 atendentes de hospedagem. A empresa orgulha-se do fato de todos seus colaboradores falarem o idioma inglês. Definitivamente é algo muito bacana, aumenta o nível cultural, amplia horizontes da organização, coloca-a na prateleira do mundo e muito mais.
Só que um dia entra um hóspede francês. Na madrugada seguinte, um espanhol. Dali duas semanas um grupo de italianos. Japoneses. Chineses. Russos. Alemães. E o que farão todos os “ingleses” atrás do balcão? Certamente a empolgação vai por água abaixo.
Já o entusiasmo de um pequeno sub-grupo, que aproveitou o embalo da bolsa de estudos que a empresa ofereceu para iniciar estudos instrumentais de francês, alemão e mandarim, pode manter a roda girando. Quero dizer que as habilidades, conhecimentos, e comportamentos complementam-se, não devem excluir os divergentes!
Perceba que a empolgação é importante, pois contagia a equipe e faz com que todos comprem a idéia de estudar um segundo idioma. Mas é o entusiasmo que mantém o nível no alto, o fôlego para segurar as mais pesadas barras e, ainda, surpreender as expectativas dos mais exigentes clientes (ou Comandantes, no caso do filme).
Há uma hora em que você tem que dizer não. Existe uma hora em que você tem que negar a segurança e se lançar no mar agitado da vida real. Temos que assumir os mais graves riscos, tomar as mais duras decisões e ignorar súplicas. Isso dói, mas temos de ir além do palpável, abraçando possibilidades, perspectivas e, até mesmo, ilusões.
Ritmo constante, concentração, superação, paixão, abdicação, determinação, foco extremo, fé. As receitas são muitas e os livros de auto-ajuda têm uma avalanche de predicados aos que desejam algo além da vida. Todas são válidas, mas findam no fato de que há vezes em que precisamos de um milagre e, em muitas dessas, só nós mesmos poderemos ser o milagre. Temos de achar um jeito de ser esse milagre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário