Em janeiro deste ano, pela primeira vez, o Citibank decidiu inverter os papéis. Ainda que temporária, a ação batizada de mentoria reversa colocou seis gestores de áreas estratégicas do banco na pele de "mentorados".
São profissionais experientes, que ocupam cargos de gerentes seniores e superintendentes, que se dispuseram a ouvir a opinião de 15 jovens universitários sobre relacionamento com clientes, horizontalidade na cultura organizacional, uso de big data para criação de novos produtos e a entrada de empresas de internet no setor financeiro.
"Os gestores do banco sempre estão abertos para discutir estratégias de negócio, mas ficaram surpresos com a qualidade do que ouviram", afirma Elaine Santos, superintendente de recursos humanos do Citi. Tanto que um dos temas levantados na mentoria reversa, o do Google atuando na ponta de pagamentos, continua repercutindo dentro da instituição. "Por enquanto, nenhuma medida foi tomada com base nisso, mas as ideias estão sendo discutidas", diz Elaine.
No Citi, a mentoria reversa - modelo de aconselhamento em que uma pessoa mais jovem orienta profissionais mais experientes - aconteceu como atividade de encerramento de um programa para universitários com um mês de duração chamado Summer Job, organizado pela 99Jobs. A ideia da dinâmica surgiu a partir de uma experiência semelhante no escritório da instituição financeira em Miami, nos Estados Unidos. Lá, no ano passado, a equipe do banco chamou alunos da Universidade da Flórida para apresentar alguns tópicos a executivos do Citi.
Com base nesse exemplo, a 99Jobs levantou os temas e preparou os jovens para o processo de aconselhamento que fariam com os líderes do banco. "Fizemos essa ação no intuito de levar a cultura dos jovens para a instituição e criar vínculo emocional", afirma Bárbara Teles, gerente de relacionamentos da 99Jobs.
O consultor Sidnei Oliveira, especialista em conflitos de gerações e autor de uma série de livros sobre a geração Y, vê a mentoria reversa como algo positivo, pois dar voz ao jovem é motivador para ele. Oliveira explica que o aumento na expectativa de vida e, como consequência disso, a presença cada vez maior de profissionais mais velhos na ativa que nem pensam em se aposentar fazem com que haja três gerações trabalhando juntas nas organizações: baby boomers, X e Y - sem contar a Z, formada pelos nascidos a partir da década de 90 e que já vem chegando ao mercado.
Diante desse cenário, é preciso assumir que o veterano também necessita de algum aconselhamento, principalmente com relação às novas tecnologias, assunto bem familiar aos mais jovens. "A primeira manifestação que vemos da mentoria reversa está relacionada à tecnologia e a novos meios de comunicação, mas, à medida que vai sendo utilizada, funciona também para integrar jovens e profissionais mais velhos", afirma.
Na unidade brasileira da agência de relações públicas Burson-Marsteller, é justamente o universo digital o foco do programa de mentoria reversa implementado neste ano. Nesse caso, cada um dos cinco núcleos de trabalho da empresa recebeu um ou mais mentores que, ao invés de cabelos grisalhos, têm na bagagem entre 20 e 25 anos de vida e um grande conhecimento em mídias sociais. "A missão desses mentores é treinar os gestores em temas ligados ao universo digital, para que a empresa tenha profissionais mais completos", afirma Patrícia Ávila, vice-presidente da Burson-Marsteller Brasil.
No caso da organização, o foco dos debates entre mentores e mentorados são casos reais de clientes atuais e passados. O objetivo é pensar em soluções estratégicas junto aos profissionais mais novos. "Esse universo digital é natural para o jovem", diz Patrícia. Recém-implementado, esse programa de mentoria reversa da Burson-Marsteller no Brasil antecede um projeto global da multinacional que deve chegar ao escritório brasileiro no segundo semestre.
Em 2013, a empresa deu início a um processo de mentoria reversa com seus funcionários na Europa. Em seguida, a dinâmica seguiu para os Estados Unidos, e os próximos locais onde ela será implementada são América Latina e Ásia. "Enquanto aguardamos o programa que foi estruturado na Europa, fizemos um atalho", brinca.
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O projeto que começou na Europa reúne pares de trabalho durante seis meses. Nesse período, o mentor - um jovem funcionário especialista no universo digital - e o mentorado - um executivo com responsabilidade sobre o negócio - fazem duas reuniões por mês para que o mais novo aconselhe o mais velho em questões ligadas a mídias sociais. Há, inclusive, um guia elaborado pela empresa com sugestões de temas que podem ser abordados pelos pares. O mentor também se encarrega de passar lição de casa ao seu aconselhado, com dicas de leituras e de navegação na internet. "Até o CEO global da Burson tem seu mentor", afirma Patrícia.
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Antes da estruturação desses dois projetos de mentoria reversa, a vice-presidente da agência conta que já se aconselhava com funcionários mais jovens em relação a novas ferramentas. "Sempre que tenho dúvidas ligadas à tecnologia chamo alguém da equipe que entende do assunto à minha sala. É uma maneira muito eficiente de me manter atualizada". Ela, que tem 49 anos, cita como exemplo o dia em que criou sua conta no Twitter. "Fiz o cadastro e comecei a navegar, mas queria pegar o tom do site. Foi aí que pedi ajuda."
A informalidade, de fato, é a aplicação mais comum da mentoria reversa no Brasil. Segundo o consultor Sidnei Oliveira, são poucas as empresas que formatam um programa onde o jovem dá conselhos a executivos mais do topo da hierarquia. "O processo não acontece formalmente, mas não é necessariamente uma coisa ruim. Isso porque, dessa maneira, o jovem se sente mais à vontade para expor seu conhecimento e acaba quebrando a resistência do veterano, que fica mais aberto para oferecer a mentoria tradicional e passar seus conhecimentos."
Na consultoria Deloitte, Henri Vadat, sócio-líder da área de capital humano e representante da geração baby boomer, se aconselha com funcionários mais jovens da sua equipe há tempos. "Sempre peço a opinião de analistas que são das gerações X e Y para ver se os projetos que estamos desenvolvendo fazem sentido para eles", afirma.
Essas conversas não fazem parte de um programa formal, são encontros realizados, em média, a cada 15 dias, nos quais Vadat checa se suas ideias têm eco entre os mais jovens. "As gerações têm modelos mentais e valores diferentes. A mentoria reversa ajuda o topo a entender melhor as pessoas que estão chegando ao ambiente corporativo", afirma.
O executivo ressalta que a geração Y já soma 1,8 bilhão de pessoas no mundo atualmente e que, em 2025, vai representar 75% da força de trabalho. "As reinvenções virão das gerações mais novas. Preciso ter os ouvidos bem abertos ao que eles têm para falar", enfatiza.
Atento a isso, Vadat começa a dar mais voz aos jovens. A partir deste ano, o planejamento estratégico de sua área vai contar com ideias das três gerações hoje presentes no mercado de trabalho. "Essa atividade sempre foi restrita a sócios e diretores. Agora, cada mesa de trabalho terá um representante X, um Y e um baby boomer para discutir os assuntos da área."
..:: Fonte: Valor Online
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